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Terceirização, precarização e vale-tudo

A terceirização na prestação de serviços tem servido para tentar mascarar as relações de emprego, colocando uma empresa interposta, geralmente sem qualquer qualificação ou meios de garantir suas obrigações, entre o realizador da atividade produtiva e os trabalhadores. A terceirização, como realizada no Brasil, desequilibra as relações de trabalho, colocando em risco toda a sociedade em razão da instabilidade gerada.
Para dar segurança jurídica a essa verdadeira precarização das relações de trabalho, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.330/2004, que regulamenta a terceirização. O projeto subverte as relações de emprego de tal forma que, se aprovado, permitirá que uma empresa exista sem que possua um único funcionário diretamente contratado. Uma aberração jurídica que se contrapõe frontalmente aos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho — que definem legalmente a figura do empregador e do empregado —, permitindo a terceirização sem qualquer restrição.
Atualmente, a terceirização é regulada no ordenamento jurídico pela Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que permite a prática somente nas chamadas atividades meio. Ou seja, uma empresa não pode delegar a funcionários de uma outra atividades que sejam próprias da sua razão de existir. Pelo projeto em tramitação, não haverá limites. Num exemplo bastante simples, uma padaria não precisará ter padeiros para fabricar pão. Ela poderá contratar outra empresa que, por sua vez, contratará um padeiro para fazer o pão.
Se numa padaria isso pode não parecer tão grave — mas, sim, é, pois esse profissional precisa de qualificação para que seu trabalho seja benfeito e de proteção para que não ocorram acidentes —, numa empresa do setor elétrico ou de energia, por exemplo, a situação é evidentemente mais crítica.
No setor elétrico, especificamente, os estudos demonstram uma absurda desproporção entre os acidentados terceirizados e os contratados diretamente. Em 2010, houve 82 acidentes fatais no setor em todo o país, sendo que 72 eram de empresas terceirizadas, representando incríveis 87,8%, conforme relatório da Fundação Coge.
Em comparação com os demais setores econômicos, o quadro é assustador. Em 2009, houve 29,7 acidentes por 100 mil trabalhadores nas empresas terceirizadas do setor elétrico. Considerando todos os ramos da economia, ocorreram 5,5 acidentes por 100 mil trabalhadores. Quanto aos empregados próprios, houve 3,9 acidentes por 100 mil trabalhadores. Ou seja, os números são claros em demonstrar a ocorrência muito maior de acidentes nas empresas terceirizadas. O quadro é tão grave que o Tribunal Superior do Trabalho está preocupado com a questão, pregando a necessidade urgente de um patamar ético.
O raciocínio teórico a ser observado é o seguinte. As relações de trabalho são estruturadas de forma que o produto das atividades econômicas seja repartido entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. Assim, aqueles que realizam a atividade econômica empregam a mão de obra colocada à sua disposição, obtendo lucro. Em contrapartida, para legitimar a própria forma de organização, assumem o risco da atividade econômica e concedem aos empregados os direitos trabalhistas, como forma de garantia da dignidade da pessoa humana no trabalho.
Não há benefícios na terceirização atual — e ainda mais como está desenhada no Projeto de Lei nº 4.330/04 —, pois a ampliação da concorrência é falaciosa, os postos de trabalho existem a partir de quem realiza de verdade a atividade produtiva, ou seja, as empresas tomadoras de serviço, não nas terceirizadas, que somente ocupam os postos de trabalho a fim de precarizá-los. A terceirização fomenta o preconceito, trabalhadores excluídos e afastados da proteção social.
Com isso o Ministério Público do Trabalho não pode concordar. Não se trata de uma posição arbitrariamente preconcebida, muito menos ligada a qualquer tipo de preconceito. O Ministério Público do Trabalho não tem preconceito. Ao contrário, cabe ao MPT, dentro de suas funções de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, combater qualquer forma de preconceito. E não seria diferente em relação à terceirização.
Portanto, tanto na teoria como na prática, a terceirização da forma que é realizada no Brasil não tem como se sustentar, sendo, em verdade, ela própria uma fomentadora de preconceito e de exclusão social.
Fonte: Correio Braziliense
Luíz Camargo é Procurador-geral do Trabalho, professor de direito do trabalho no Centro Universitário Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), especialista em trabalho escravo contemporâneo

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