A chaga do trabalho infantil envergonha o Brasil.
Cerca de 3 milhões de crianças trabalham em nosso país. A Justiça do Trabalho
tem julgado milhares de casos envolvendo crianças e adolescentes em ambientes de
serviço. Essa é a típica prestação jurisdicional que não desejaríamos ter de
cumprir.
Ao longo dessa experiência, percebemos que a
postura do julgador não basta para enfrentarmos o problema. Temos que ser
proativos e não apenas reativos. Nesse sentido, estamos lançando, nesta
sexta-feira, o Programa da Justiça do Trabalho de Combate ao Trabalho Infantil.
Por trás desse nome está o empenho de magistrados e de servidores em fazer tudo
o que estiver ao alcance para, de uma vez por todas, virar essa página da
história do país. Uma das diretrizes é dar prioridade à tramitação de processos
relativos ao trabalho infantil e à profissionalização de adolescentes.
Não somos novatos na questão. Já tratamos do
assunto por meio de uma comissão, que tem atuado fortemente em prol dos direitos
das crianças e dos adolescentes. Mas agora, por meio do programa, vamos ampliar
nossa atuação, criando a Rede de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil,
constituída por todos os órgãos da Justiça do Trabalho e pelas entidades
públicas e privadas que aderirem aos seus termos, inclusive sindicatos,
universidades, associações e instituições de ensino.
O programa terá gestores regionais em cada um dos
24 tribunais regionais do trabalho (TRTs), que vão atuar na interlocução com os
gestores nacionais, colaborando na implementação de políticas públicas de
prevenção, combate, segurança, saúde e erradicação do trabalho infantil.
As metas são ambiciosas: a erradicação das piores
formas de trabalho infantil até 2016 e de todas as formas até 2020. O Brasil
ratificou as Convenções nº 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), que tratam, respectivamente, da idade mínima para a admissão no emprego
ou trabalho e da proibição e ação imediata para a eliminação das piores formas
de trabalho.
Não é admissível que continuemos lendo nos
jornais e vendo na tevê notícias de crianças cortando cana, trabalhando em
ateliês de costura clandestinos ou em carvoarias perdidas no interior. Uma
criança que trabalha hoje está fadada a ser um adulto sem condições de colaborar
efetivamente para o progresso da sociedade.
Uma criança que trabalha hoje certamente será um
adulto sem condições de mudar sua própria condição social e econômica. Para sair
desse círculo vicioso, é necessário que cuidemos das crianças. Temos de garantir
a elas o direito de brincar, estudar, conviver com a família e os amigos e de se
tornarem adolescentes sadios em corpo e mente, para formarmos cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres.
Para isso, é necessário, ainda, que a luta contra
o trabalho infantil não se restrinja à ação da Justiça do Trabalho, do
Ministério Público do Trabalho e de outros órgãos. Esse assunto diz respeito ao
conjunto da sociedade, com o envolvimento de todos.
Tanto a Constituição Federal de 1988 como a
legislação ordinária estão permeadas de dispositivos protetivos. Entre eles, o
que proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de
qualquer trabalho ao menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
dos 14 anos (Constituição Federal, art.7º, inciso XXXIII). Na Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) está claro que o trabalho do menor não poderá ser
realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à
escola (art.403, parágrafo único).
Apesar de toda a legislação e de todo o esforço
para coibir essa prática, ela persiste. E persiste um argumento perverso a
dar-lhe suposta justificativa: o de que as famílias pobres precisam do trabalho
das crianças para ajudar no sustento. É dever do Estado garantir as necessidades
mínimas de cada cidadão. Lugar de criança é na escola. Só assim ela poderá, no
futuro, colaborar para que sua família se afaste efetivamente da condição de
miséria. E ajudar o país a romper com a própria lógica da pobreza.
Fonte: Correio Braziliense
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